A fortuna não pode construir uma vida, apenas delinear
seus contornos, colocar alguns adornos. Lembrando que fortuna na Antiguidade clássica
tem o mesmo sentido que o conceito de sorte, acaso, o qual estará presente
nesse texto e será usado da mesma forma. Ao longo de suas obras Sêneca irá
chamar de fortuna ou destino as questões que nos aparecem no decorrer da vida
sem que tenhamos planejado estas. Estes fatos certamente influenciam as tomadas
de posição que os sujeitos irão ter em suas vidas, no entanto, à medida que
isso não somente influência, mas determina a decisão a ser efetuada não temos
mais uma vida livre e baseada no conceito de obra de arte. Temos, sim, uma vida
determinada que a qualquer momento seguirá determinado caminho se a fortuna se
fizer presente. Isso faz com que a pessoa esteja sempre esperando algo
inusitado lhe ocorrer, um algo além de si, ou um messias que irá resolver seus
problemas de forma dinâmica e perfeita.
O
problema desse tipo de procedimento de vida é que a pessoa simplesmente não
age, uma vez que espera sempre algo lhe ocorrer, e, por conseguinte, salvar
instantaneamente. Nesse sentido o ponto a ser enfatizado é que ela não trabalha
o melhor de si, o que suas potencialidades poderiam lhe render. Cuidar de si
implica constituir-se como senhor de si mesmo, primeiro tomando o seu próprio
ser como objeto de estudo e reflexão, para em seguida agir socialmente. Tudo o
que a pessoa observar em seus amigos e sociedade pode antes de ser ressaltado
neles, se antes interiorizado no próprio sujeito, visto que um mal no outro ser
pode ser criticado em grande medida por mim se eu tiver legitimidade para tal,
na maioria das ocasiões. É engraçado aquele tipo de sujeito que observa diversas
pessoas com variados tipos de problemas, os quais ele possui de forma até mais agravada,
porém elabora uma lista veemente de críticas, ou devemos chamar de fofocas e
piadas inócuas.
A
vida de pessoas do gênero não será longa, prazerosa, nem sabia, uma vez que não
se dispuseram a ser artistas de si e do mundo, muito menos se aproximar da sabedoria.
Dessa forma “[...] aquele que empata todo o seu tempo em proveito pessoal; que
dispõe de cada dia como sendo o último, ele não prorroga nem teme o amanhã.”
(SÊNECA, 2007a, p.39). É loucura temer o que não se está em proximidade
conosco, especialmente se depende em grande medida de outras pessoas, de tal
modo que mesmo as próprias ações são incertas se arquitetadas, quem dirá então
o que está mais ao alcance alheio do que ao nosso. Esse tipo de fato causa
muita frustração à pessoa que não tende a se aproximar da sabedoria, no sentido
que o sábio está constantemente ao lado da moderação, da justa medida no que
tange raramente ser tomado de assombro pela fortuna, portanto, deve praticar a
sabedoria diariamente ao lado de pessoas com tal arcabouço em que pese ela não
é inata.
Ainda
sobre essa longitude de vida, para ser considerada longa depende muito mais da
intensidade e forma com que se vive do que propriamente a extensão em anos. Uma
pessoa que viveu muitos anos viveu bastante, por sua vez, uma pessoa que viveu
de acordo com a virtude é sabia. A quantidade de anos tende a aumentar as
possibilidades de se viver muitas coisas, porém se mal administrada gera um
nível de transtorno elevado. Quão trágico não é para um sujeito viver
diariamente em uma atividade como o trabalho manual quando sua verdadeira
paixão são as letras e vice-versa. Isso nos parece estar distante dos desígnios
de uma vida bem vivida, feliz. Não é possível fazer tudo e a todo o momento sem
nenhum tipo de sofrimento ao longo da vida, até porque um tanto de pena ao
longo das ações torna mais gratificante o resultado final, nisso também implica
a liberdade. Porém é preciso cuidado em afirmar que determinado fardo é
necessário para a vida, ao menos até o momento em que se arrumar algo melhor
para fazer.
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